DIÁRIO DE CAMPO DE BRUNA CASSALES
TEMA: FUMO
A inspiração...
Decidi
iniciar meu diário de campo com um tema cuja incidência presencio diariamente
em quase todos os lugares e com os mais diferentes tipos de pessoas. O meu tema
é o fumo. Decidi pensar em porque, aqui na Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do sul, excepcionalmente o prédio 11 dos cursos de Direito e
Psicologia, tem um grande índice de fumantes a partir das 19 horas da noite em
diante. Sou aluna da tarde e sempre observei que todos os dias enquanto vou
saindo do meu turno de aula vem chegando, em paralelo, os alunos da noite. Fui
pensando no motivo para as pessoas fumarem hoje em dia? Antigamente era bonito,
chique e charmoso fumar, até mesmo os que não gostavam se rendiam somente para
estarem equiparados aos mocinhos da novela, os quais fumavam durante as
novelas. Mas hoje penso que o fumo é uma questão de prazer imediato de uma
população ansiosa e estressada sem tempo para momentos de lazer ou realmente
sem ter fontes de prazer e bem-estar alternativos nas suas vidas, porém
ressalto que isso não é uma regra, uma vez que os fatores genéticos e
ambientais também são variáveis a serem consideradas com base no que sempre aprendi
que o ser humano é um ser biopsicossocial.
Uma questão de cada um...
É
fato que o fumante leva um tempo para se acostumar com os efeitos da nicotina,
no início com aqueles enjôos iniciais, aí vêm as tonturas e aquela garganta
seca. O mesmo acontece com o cheiro da fumaça do cigarro! Depois de drogadicto,
o fumante já tem dificuldade de sentir tudo isso e, não o estranhando mais, se
identifica com ele (o cigarro) e não o abandona mais. Porém, isso não deveria
acontecer com as pessoas que rodeiam os fumantes, os chamados fumantes
passivos. Não vou me enganar só por isso porque na verdade a fumaça do cigarro
fede. Que o dependente em nicotina não ache isto tudo bem, mas que fede, fede...
Certo dia eu e mais uma colega estávamos em frente ao Prédio 11, naquele mesmo
horário o qual citei acima (por volta das 19h), de repente um cidadão se sentou
ao nosso lado, acendeu o seu cigarro, tragou IN-FI-NI-TA-MEN-TE e simplesmente
sem olhar se haviam pessoas ao seu lado soltou uma enorme e fedorenta fumaça de
cigarro no nosso rosto. No momento fiquei indignada e tomada pela minha dose de
raiva e meu alter-ego foi tomado pelo
senso-comum e pensei na mesma hora – Mas o que ele está pensando? Que pessoa
sem educação! No entanto, passou-se um tempo e fiquei pensando nesta cena e em
como poderia trazer para o meu diário de campo com uma visão globalizada, vista
com outros olhos, mesmo sabendo que na hora fiquei de mau-humor com aquele
cidadão e seu fiel “prazer instantâneo”. Como sabido, é definitivamente
proibido fumar em lugares fechados, por isso os estabelecimentos projetaram as
chamadas áreas de fumantes e não-fumantes. Com efeito, penso que de certa forma
isso prejudica a consciência das pessoas, sendo que mesmo em áreas ao ar livre
elas soltam
a sua “fumacinha” da qual não sentem mais seus efeitos, literalmente, na cara
das pessoas. E quando me refiro em consciência me vem muitos pensamentos, a
consciência da qual me refiro é o que deveria fazer o ser humano, único, porém
a capacidade de amabilidade e de se por no lugar do outro não é desenvolvida
igualmente em todas as pessoas. O fumante não vai parar pra pensar em questões
graves de saúde pública no momento em que está tragando o seu cigarro, pensar
que fumantes passivos têm alto índice de desenvolver câncer de pulmão igual ou
maior que um fumante ativo. Porém, penso que a consciência e o pensar no outro
pudesse mudar alguns atos em nossa sociedade. Mas o que vemos é que algumas
pessoas direcionam o bem estar para si e fazem de tudo para o seu prazer
instantâneo, assim não se importando nem um pouco em “quem vai fumar junto” e
as conseqüências que isto pode causar.
Proibido Fumar!
Na
minha observação anterior citei a consciência e falei que separar os fumantes
dos não fumantes e proibir fumar em locais fechados não era o suficiente se
nada partisse da consciência de uma pessoa em relação ao direito da outra. Não
quero generalizar e dizer que isto não funciona, porém vale ressaltar que seria
muito melhor se as regras e consciência andassem juntas. Hoje não presenciei
nenhuma cena, porém lembrei-me de uma que já havia visto há algum tempo atrás.
Refiro-me as placas de proibido fumar que são anexadas perto das escadas de
todos os andares do prédio 11 inteiro. Na placa tem o símbolo de Proibido
Fumar, aquele que todo mundo já conhece e abaixo está citada a LEI Nº 13.541
que adverte a proibição do fumo em locais fechados ou parcialmente fechados. No
entanto, parece que isto não é respeitado e além de não ser respeitado, eu
mesma já presenciei pessoas fumando no corredor e muitas das placas serem
queimadas pelo próprio cigarro dos fumantes. O que me chama atenção é que neste
prédio os respectivos senhores fumantes são dos cursos de direito e psicologia,
os quais adotaram uma forma de expressão para isso não condizente com aquilo
que estão aprendendo em seus cursos. Eu poderia escrever umas 30 linhas aqui só
de julgamentos sobre essa ação não muito eficaz dessas pessoas. Porém, tenho
curiosidade de saber o que será que passa no pensamento dessas pessoas? De que
são baseados seus valores? Será que se sentem satisfeitos em fazerem isso? Será
que suas crenças fazem com que se sintam ofendidos de não poderem fumar onde
quiserem, ora bolas, afinal estão pagando tudo aquilo. E a consciência me vem
mais uma vez em minha cabeça... Serão esses nossos futuros profissionais do
Direito e psicólogos?
Cigarro Comunitário
Nessas
idas e vindas da faculdade observei como o modelo do cigarro comunitário é
muito comum na entrada da faculdade. Observei uns três grupos de amigos/colegas
durante uns 30 minutos antes de iniciar a aula do turno da noite, eu estava
indo pra casa e fiquei conversando com algumas colegas sobre assuntos da
faculdade, trabalhos, provas, etc. Enquanto conversava, podia observar esses
grupos, eram jovens, homens, alguns estavam de terno, outros com mochila nas
costas, eram grupos diferentes e estavam separados pelo pátio, no entanto
estavam cometendo a mesma prática: um deles acendia o seu cigarro e os outros
acabavam pedindo “um pega” e fumavam todos juntos. Daquela mesma maneira
expandindo a fumaça para todos os lados em direção das outras pessoas. Fiquei
pensando se os outros eram fumantes viciados ou só convencionais, pois
observando de fora, apenas o que acendeu o cigarro parecia ser fumante. Em um
dos grupos, o cigarro acabou tão rápido que o individuo acendeu outro. Esse
grupo estabeleceu uma relação comum: fumar e conversar. Percebi que não era o
único grupo ali que estava tendo esta mesma atitude, porém por outro motivo
estavam separados. Nas aulas eu aprendi que comunidade é a forma
de viver junto com intimidade e de forma privada e exclusiva. De certa forma
isso ficou representado quando todos fumaram o mesmo cigarro. Esse Grupo
estabeleceu relações de troca, embora não saudável, era necessária para eles naquele
momento, de uma maneira mais íntima e marcada por esse contato grupal. E o
pátio ao redor estava cheio de outros grupos que no meu esquema mental
representou a sociedade que é uma grande união de grupos sociais marcada pelas
mais diferentes relações de troca.
Na companhia do Cigarro
Estava mais uma vez na frente da
faculdade esperando um amigo, quando observei um jovem de terno, provavelmente
estudante de direito, pois estava em frente ao prédio 11 e falando no celular. Quando
desligou o celular, imediatamente pôs a mão dentro do casaco e retirou um maço
de cigarro e o acendeu, fumou o tempo todo sozinho. Quando ele estava falando ao
celular dava a impressão de estar acompanhado e seguro, ao desligar o celular
ficou olhando de um lado para outro e então puxou o cigarro do casaco... Ao
olhar em outra direção vi outro jovem, desta vez vestido de calça e casaco, ele
já estava fumando, também sozinho, meio apreensivo por esperar, olhava para as
mãos, para o seu cigarro, para os lados... Naquele momento pensei que o cigarro
era um companheiro, ambos pareceram ser inseguros, estavam em cantos opostos,
sozinhos, ansiosos, talvez cansados, pois era fim do dia. Algumas pessoas assim
como usam o álcool para socializarem-se com mais facilidades, pessoas que tem
certa fobia, vergonha e insegurança utilizam deste mecanismo para conseguirem
ter contato interpessoal sem sofrimento. Será que isto não ocorre com o cigarro
também? Por questão de segurança, tempo que passa mais rápido, distração, etc.
Ao chegar em casa fui pesquisar e achei um estudo que falava no índice de
comorbidade entre tabagismo e fobia social, e o resultado da pesquisa foi de
7,3% para fobia social e tabagismo. Refleti que os transtornos de ansiedade,
sejam quais forem tem grandes índices de tabagismo e a grosso modo nem
precisamos por no papel, é só olharmos ao nosso redor.
FIM!